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‘Brasil precisa incluir aviões agrícolas no combate a incêndios florestais’
8 de setembro de 2020 Notícias gerais
Há décadas o Brasil queima entre os meses de julho e setembro. Apesar disso, o país ainda sofre por não ter uma estratégia consistente de prevenção e combate a incêndios florestais, que inclua o uso em larga escala de aviação agrícola e produtos retardantes contra chamas.
A urgência de se reverter esse quadro foi uma das conclusões da edição desta semana do debate via web, promovido pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e pelo Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola (Ibravag). O encontro foi transmitido nesta quarta-feira, 2, e pode ser conferido no canal do Sindag no YouTube (assista no fim deste texto).
O debate teve a especialista em aviação agrícola e combate a incêndios Mônica Maria Sarmento e Souza, do Ministério da Agricultura, e o tenente-coronel da reserva Rodrigo Tadeu de Araújo, do Corpo de Bombeiros de São Paulo. Também participaram o piloto agrícola Antônio Carlos da Silva e o bombeiro civil e gestor em segurança Antenor Velasco, ambos atuando em Mato Grosso. A mediação ficou a cargo do diretor-executivo do Sindag, Gabriel Colle.
De um lado, o encontro virtual abordou a situação crítica em Mato Grosso, onde, além de consumir áreas no Pantanal, os incêndios pioraram muito a qualidade do ar em cidades como a própria capital, Cuiabá. De outro, a experiência de São Paulo, onde o emprego da aviação faz parte do sistema de controle de incidentes, pelo qual o estado conta com a ferramenta em apoio às corporações de bombeiros. Nesse caso, inspirado no trabalho do Departamento Florestal e de Proteção Contra Incêndios da Califórnia (Cal Fire), nos Estados Unidos.

Temporada de incêndios no País coincide com a entressafra da frota aeroagrícola brasileira, que é a segunda maior do mundo
País está atrasado
O Brasil tem a segunda maior frota aeroagrícola do planeta, com cerca de 2,3 mil aeronaves. A grande maioria ociosa durante o período da entressafra. Época que coincide justamente com os três meses críticos para incêndios em vegetação no país. O que justamente torna a ferramenta acessível a um plano de contratação temporária. Em vez de comprar aviões, contratar pilotos e arcar com todo o custo de instalações, manutenção, treinamento e pessoal (estrutura que ficaria ociosa por oito meses), o poder público terceirizaria plantões e horas voadas somente nos meses de incêndios. Lembrando que a aviação é apenas parte de um sistema, atuando com equipes de brigadistas em solo e dependendo também de capacidade de detecção rápida dos focos de incêndio.
Nesse sentido, Mônica Sarmento foi incisiva ao destacar o quanto o Brasil está atrasado em organizar meios que já possui, dentro de doutrinas mais do que comprovadas. “Ninguém aqui precisa descobrir a roda e o fogo. Há muito tempo, o mundo inteiro sabe os segredos de combate a incêndios”, enfatizou. Instrutora há 40 anos em cursos de pilotos agrícolas e há 20 anos treinando pilotos para combate a incêndios, Mônica lembrou que faz décadas que se fala em um sistema nacional de prevenção e combate a incêndios em campos e florestas sem que de fato isso saia do papel. Para ela, é preciso um plano consistente agregando poder público e iniciativa privada – aliando equipes em terra, aviação agrícola e o uso de retardantes contra o fogo.
“Ninguém aqui precisa descobrir a roda e o fogo.
Há muito tempo o mundo inteiro sabe os
segredos de combate a incêndios”
– Mônica Sarmento
Com formação em combate a incêndios pelo British Columbia Forest Service/Canadá; pela Junta de Andaluzia/Espanha e Governo do Chile, Mônica destacou que isso permitiria também tornar o combate ao fogo mais precoce. “Todo grande incêndio começa pequeno. Fica grande porque se demora muito para combatê-lo. É nesse contexto que se encaixa o uso das aeronaves: o timming é muito importante.”
Mônica frisou ainda requisitos para esse tipo de atividade, como características específicas para os aviões agrícolas e recomendação de curso complementar para os pilotos.
“O que não dá é a cada ano sermos notícia na imprensa internacional, ganhando um carimbo de incompetentes. Temos os meios e temos a competência”, destacou.
Modelo paulista
Já o tenente-coronel Araújo destacou o sistema instalado em São Paulo, por iniciativa do governo do estado, via Defesa Civil e Corpo de Bombeiros. “Colocamos a aviação como ferramenta dentro de um sistema”, resumiu o oficial da reserva, que participou ativamente da implantação da iniciativa, em 2015. Para isso, na época ele viajou para a Santa Bárbara e Sacramento, na Califórnia, para visitar o então Califórnia Department of Forestry (CDF), hoje Cal Fire.

Encontro ocorreu nessa quarta-feira, 2.
“Muito da influência no sistema de combate a incêndios hoje existente em São Paulo vem da metodologia da Califórnia”, salientou Araújo. O próprio sistema de comando de incidentes nasceu a partir da percepção californiana de integrar equipes de diversos tipos, entre elas, o combate aéreo. Pelo sistema em vigor em São Paulo, o estado lança editais por região, onde a empresa aeroagrícola vencedora pode ser acionada pelos bombeiros em caso de incêndios em vegetação.
Nesse meio tempo, a interface entre as equipes de terra e ar se refletiu também no treinamento. De um lado, os pilotos agrícolas treinaram fazer lançamentos em apoio e com orientação de terra e, de outro, as equipes de solo passaram a conhecer as rotinas e características da aviação. “Mais de 300 bombeiros foram treinados para operação com o avião”, destacou Araújo. O que incluiu, por exemplo, preparação das equipes em terra para eventuais resgates em caso de acidente com a aeronave no teatro de operações. “Os bombeiros aprenderam como se aproximar, onde poderiam cortar a energia do avião e assim por diante.”
Potencial de ajuda
Já gestor em segurança Antenor Velasco lembrou que Mato Grosso tem a maior frota aeroagrícola do país, que poderia ser mais bem utilizada contra as chamas no estado. Velasco trabalha com um grupo de voluntários, em parceria com a Defesa Civil, no combate a incêndios florestais próximos a Cuiabá. Chamas, aliás, que têm piorado muito a qualidade do ano na capital. “Precisamos introduzir mais a aviação neste meio”, destacou, frisando que a situação não está pior na região porque a força do vento está abaixo do normal para esta época.
Velasco lembrou que o próprio ministro do Meio ambiente, Ricardo Salles, esteve no estado para debater a utilização de retardantes – que significariam de cinco a sete vez mais eficiência nos lançamentos contra as chamas. Foi aí que o piloto Antônio Carlos da Silva lembrou que Salles, inclusive, recebeu dele o documento do Sindag e do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA, que representa os pilotos) reforçando a proposta de criação de um Plano Nacional de Combate a Incêndios em Campos e Florestas.
A entrega do documento correu durante a visita de Salles à base das operações contra chamas em Porto Jofre, no Pantanal mato-grossense. É dali que operam os aviões agrícolas que participam das operações. “O ministro inclusive fez um voo com um avião agrícola (no caso, um aparelho de dois lugares) que participa das operações, e elogiou o trabalho dos pilotos”, destacou Antônio Carlos.
O uso de aeronaves no combate a incêndios deve voltar à pauta do debate via web no próximo dia 16, com novos convidados falando sobre o tema. Enquanto isso, seguem as inscrições para o segundo Curso Brasileiro de Combate Aéreo a Incêndios em Campos e Florestas, que vai ocorrer de 21 a 25 de setembro, em Olímpia, no interior paulista. A promoção é da Fundação Astronauta Marcos Pontes (Astropontes) e da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da Instituição Toledo de Ensino (ITE), de Bauru. Com apoio das empresas Pachu Aviação Agrícola e Americasul Aviação Agrícola, além do Sindag e Ibravag.
Fonte: Notícias Agrícolas