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Entenda por que o governo zerou a tarifa de importação de arroz, milho e soja
19 de outubro de 2020 Notícias gerais
A questão que se apresenta ao governo não é se mas como intervir no mercado e com que intensidade para limitar a explosão de determinados preços sem ferir as regras básicas do livre mercado
A diretriz geral e basilar de respeitar o funcionamento da economia de mercado é correta. Entretanto, é preciso respeitar duas condições: igualdade na competição comercial e possibilidade de intervenção governamental para evitar prejuízos sérios no caso de escassez, especialmente de alimentos. Estas são regras aceitas pelos 164 países membros da OMC.
A sustentação técnica é a de que a elevação de preços é consequência de um desequilíbrio entre oferta e demanda, o qual será restabelecido pelo livre jogo do mercado, que estimulará investimentos de modo a reacomodar os preços aonde estavam ou noutro patamar.
O tema tornou-se mais complexo porque o mundo está atravessando uma conjuntura político-econômica e de sanidade pública atípica, o que dificulta os movimentos do mercado para aproximar as curvas de oferta e demanda em função dos preços praticados. E no nosso caso, com uma megadesvalorização do real diante do dólar. Assim, ficou mais complicado lidar com os efeitos de nossas exportações recordistas de grãos e carnes, maior volume de vendas antecipadas, e uma demanda externa por proteína vegetal e animal bastante aquecida, mas incerta. E no plano interno, um consumo de alimentos que ameaçou cair mas resistiu e apresenta demanda firme no curto prazo.
Em consequência dessa conjugação rara de variáveis, os preços em real de itens indispensáveis da cesta básica acenderam uma luz vermelha por terem alcançados níveis impensáveis. Diante da cotação de uma saca de milho em R$72,00, de soja em R$165,00 e a arroba do boi a R$280,00 qualquer governo faria algum tipo de intervenção no mercado.
Neste quadro, a questão que se apresenta ao governo não é se mas como intervir no mercado e com que intensidade para limitar a explosão de determinados preços sem ferir as regras básicas do livre mercado.
Felizmente, não há necessidade de uma pesada intervenção porque existem modernos mecanismos e instrumentos de mercado que se bem utilizados dispensam correções artificiais. O pleno funcionamento das bolsas e do mercado de futuros são um bom indicador para tomada de decisões dos agentes econômicos em termos de investimentos. Complementarmente, diversos mecanismos de mercado foram criados para incentivar a comercialização via contratos de opções, com ou sem liquidação física, além do escoamento de produtos com garantia de preços mínimos aos agricultores.
Assim, os agentes econômicos podem fazer sua programação de suprimento com certa previsibilidade, evitando situações de escassez. Salvo, claro, quando a situação é muito atípica. Porém, cabe destacar que alguns segmentos da agroindústria ou não querem ou não entenderam que que têm que praticar os preços que as commodities alcançam e carregar parte dos estoques que necessitarão. Daí porque sempre pedem zero na tarifa externa.
A intervenção no mercado sempre provoca controvérsias envolvendo a formação de estoques públicos de segurança para serem utilizados em situações semelhantes. Esta é uma política atrasada e pouco inteligente. Mas, sempre há exceções. São os casos de produtos essenciais da cesta básica e que não podem ser abastecidos do exterior, como é o caso do feijão. Outra situação, diferente da nossa, é a dos países muito vulneráveis em termos de segurança alimentar, tais como China, Índia e Japão. Nesses casos, é compreensível a formação de estoques de segurança, mesmo sabendo que formar e manter estoques e armazéns, evitar desvios e corrupção implica em custos bastante altos para a sociedade.
Outro lado da questão se refere às reclamações, procedentes, dos produtores de que as importações derrubam os preços justamente quando se está recuperando a renda perdida em fase de preços baixos. Nós agricultores não contestamos o postulado geral de que a concorrência externa é salutar para economia, inclusive na busca de mais competitividade. O problema está na concorrência desleal. Agricultores e industriais não podem aceitar importações procedentes de países que subsidiam sua produção, ao arrepio das normas da OMC. Este é o caso da maior parte das exportações agrícolas da Europa, Índia e China.
A prática da defesa comercial levou à fixação de tarifas externas elevadas para proteger os países contra abusos em produtos que concorrem com os internos. Os produtos lácteos e vinhos são um bom exemplo disso. Os países do Mercosul não são importadores de diversos grãos porque produzem com alta competitividade. Por esse motivo, a Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC) para arroz, milho e soja é de 8%.
Este é o contexto que levou a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) a zerar a TEC sobre as importações dos três mencionados grãos, conforme admitem as regras do Mercosul. Esta intervenção no mercado foi relativamente leve, justificável para uma situação de preços muito elevados, e, felizmente, por si só não desencadeará uma onda de compras expressivas extrabloco. O abastecimento interno continuará recebendo arroz, milho, e também trigo (tarifa de 10%) originários da Argentina e do Paraguai.
Os produtos mencionados são relevantes no índice geral de preços e pesam muito no bolso da população de baixa renda muito mais do que nas demais classes. Ou seja, sensibilizam mais de 100 milhões de brasileiros na formação de opinião sobre o governo e sobre os candidatos a quem votar.
Embora tecnicamente a decisão fosse inevitável diante do nível de preços alcançados recentemente para produtos fundamentais na cesta básica do brasileiro e numa conjuntura externa complicada, não pode virar regra, nem se tornar repetitiva e tampouco permitir concorrência desleal com a produção interna.
Fonte: Canal Rural